Na vanguarda do pop nacional emergente, Curumin fala de política, da importância da música negra para seu som, e sobre o impacto da música brasileira nos EUA, onde vendeu 15 mil cópias com seu disco de estréia
Eduardo Ribeiro
Das últimas inovações surgidas na música brasileira, o nome de Curumin salta à frente como um dos mais bem resolvidos. Muita gente aparece com a missão de derrubar os rótulos com a mistureba, mas poucos conseguem compor com homogeneidade. Não é o caso de Curumin. Seu "samba mutante", que tem por base a música negra, é nada senão uma viagem pluralista e coesa. O multiinstrumentista, nascido Luciano Nakata Albuquerque, convida a um passeio virtuoso e fluente pela árvore genealógica do balanço tropical.
Depois de tocar no festival Planeta Terra, que acontece na Villa dos Galpões, em São Paulo, em 8 de outubro, o artista encerra um frutífero ano, que teve lançamento de seu notável segundo trabalho, Japan Pop Show. Clique aqui para ler a crítica do disco. Às vésperas da apresentação no Terra, ligamos para Curumin com intuito de falar de sua fase atual e saber o que mudou para ele desde Achados & Perdidos (2003). O resultado é uma entrevista um pouco extensa, mas não menos interessante. Acompanhem:
Vamos direto ao ponto. O que mudou na sua música desde Achados & Perdidos?Não só a minha música, mas desde aquele álbum, o mundo mudou muito. Música principalmente. Coisas que já tavam aí quando eu fiz o primeiro, internet, mp3, ainda não tinham entrado na vida de todo mundo. E de lá pra cá isso mudou muito, as pessoas andam com mp3, sei lá, com 5 mil, 10 mil músicas no bolso, sabe?! É muito diferente ouvir música agora, com tudo na mão assim. Eu fico ouvindo muita coisa diferente, o dia inteiro e o tempo inteiro, entendeu?
E esse caldeirão musical foi traduzido no Japan Pop...É, cara, e eu acho que essa fusão está acabando com os rótulos. Até porque hoje em dia os rótulos não conseguem ser mais explicativos, não simbolizam o som que está sendo feito. Mas mesmo assim, essa diversidade é importante, ela está presente em todos os sons. Quando a gente conseguir se desligar completamente das nomenclaturas, dos rótulos, isso tornará a experiência musical muito mais rica.
Você não acha que já está até se tornando clichê apresentar um som dizendo que tal artista faz uma mistura de ritmos? Porque, afinal, isso é o que virou a cultura...Eu não sou um purista, ou sei lá, um cara que nasceu no samba, ou que nasceu no funk, que é especialista disso, que só ouve aquilo... entendeu? Nasci em São Paulo, tive um milhão de referências já desde criança. Sempre fui muito bombardeado pela cultura pop do mundo. Coisa brasileira também. Então, na verdade, o som que eu faço não é uma mistura disso ou daquilo. É o que eu sou, o que ouvi, o que eu cresci ouvindo, o que eu gosto de ouvir. Não nasci numa família que só toca um tipo de som, não vim de tradição. Vim dessa coisa da diversidade, um monte de referências. O que eu to fazendo não é mistura, é o resultado das coisas com que tomei contato a minha vida inteira.
Você sempre ouviu de tudo?Eu tive um caminho bem maluco. Quando criança eu adorava Sidney Magal, Gretchen. Quando fiquei mais velho comecei a pirar em heavy metal, Iron Maiden, Black Sabbath, Led Zeppelin, me influenciei muito. Mais tarde, foi a vez de Stevie Wonder, a soul e o funk americano, música brasileira, a parada do samba e, depois, tudo que circunda a música negra brasileira.
À medida que tomava contato com algo novo, você queria logo mergulhar naquele som?Sempre. Sempre indo atrás, pesquisando, vendo outros discos do cara, coisas relacionadas...
Com que instrumento você se dá melhor?Bateria.
Desde moleque?Na verdade eu comecei tocando violão, né?! Quando era bem novo montei uma banda, daí eu ficava pirando na batera, ficava tocando. Acabei montando uma lá, com umas coisas que eu tinha em casa, uma batera meio caseira, até que assumi o instrumento.
O Japan Pop foi construído como?Ele foi acontecendo. Teve muito tempo entre um e outro, então tem as músicas mais antigas, as mais recentes. Eu fui amarrando o conceito conforme foi rolando, saca? Ter um conceito e fazer a coisa depois, essa idéia, pra mim, dificulta. Porque parece que fica tudo meio girando... Mas tudo se deu meio que naturalmente. O que mais funciona é deixar fluir, perceber como estão ficando as composições e tentar amarrar o conceito todo.
As definições só vêm depois do conjunto pronto...Ou durante... Nesse caso eu descobri no meio do processo.
Falando em conceito, o seu é o do samba mutante?É isso que a gente tava falando, dos rótulos. A minha referência é a música negra feita pelo mundo, desde o funk e o soul, passando pela salsa, o samba, o reggae, os outros ritmos de raiz e tudo mais. E eu sou brasileiro, faço música brasileira, e a música negra brasileira pra mim é o samba. A princípio existem várias vertentes que me influenciam, mas tudo se encontra no samba. Não falo de um samba de cuíca, tamborim, com aquela estrutura melódica e harmônica, é outra coisa. O samba começou de um jeito, tradicional, samba de roda, e foi mudando, cada galera foi misturando uma coisa ou outra, o ritmo foi caminhando... E eu estou dentro dessa linha, dessa evolução, entendeu?
É, o Jorge Ben quando despontou foi um grande passo já nessa mutação do samba...Sim, tinha lá o samba, veio o Jorge Ben e conhecemos uma espécie de samba-soul, samba-rock, daí veio outro cara e a gente tomou contato com o samba-reggae, e as coisas vão se juntando, chegou o hip-hop... A melhor explicação possível é mostrar o quanto pode ser amplo. Faço o samba de hoje em dia. Samba vem de mistura, a raiz do samba é a soma das raízes.
Tomando pelos shows que você fez lá fora, nos EUA, existe uma maior abertura pra música brasileira?A música brasileira sempre teve espaço lá, os grandes nomes. Mas isso fica fechado a um nicho, a um circulo privilegiado, mais intelectualizado. E eu acho também que eles são muito massacrados pela cultura pop deles, há muitos anos, e a cultura pop lá também está muito estagnada. É um povo que está nesse momento de se abrir um pouco mais. Precisando de um respiro, de coisas diferentes.
Algumas letras de Japan Pop têm um teor muito social. Você é um cara politizado?Eu não sou um cara muito militante, não. Eu gosto de acompanhar a política, mas não sou um cara expert, ou que conhece a fundo, ou que freqüenta esse tipo de ambiente, e nem ando com a galera que discute política. Mas isso é uma coisa que ficou pra ser falada nesses últimos anos de Brasil e de mundo. Foi um período que caiu muito forte. A democracia não chegou lá, não funcionou. O sistema todo pelo qual lutamos, pra eleger algumas pessoas, que seriam responsáveis... Isso também não rolou, só deu merda. Isso tudo ficou muito claro. Me deu uma vontade de falar sobre tudo isso. O cenário político, no geral, me deixa indignado. O cenário político virou um celebrity show, sabe? Você vê, a galera é muito vaidosa... Concorrendo... Numa briga que é muito mais pelo poder do que por alguma ideologia que valha. Alguma crença. Não tem aquele cara que se candidata porque acredita que vai fazer a diferença. É uma galera que vai lá porque gosta dos holofotes, da ciranda do poder. Isso é uma coisa que a gente está vendo agora, nas eleições atuais.
O que você está ouvindo na sua casa esta semana?Cara, não tem jeito, eu gosto muito dessa coisa da música negra mesmo, do balanço e tal. Esta semana tenho escutado muito Duke Ellington. Estou numas paradas de curtir muita coisa de orquestração, Charles Mingus. E tem também o Duprat, que eu tenho escutado bastante.
Você está tocando com o Arnaldo Antunes agora? É que ele está gravando um disco novo e eu gravei algumas faixas com ele.
Com quem mais você toca?Com o Guizado, Rômulo Fróes, Iara Rennó...
Vai preparar alguma coisa especial pro Planeta Terra?A gente sempre tenta fazer um show diferente do outro. Por mais que a apresentação tenha uma espinha dorsal ensaiada, a gente deixa muito espaço pra improvisação. Tem momentos em que tocamos uns temas que dão na cabeça, alguma música que vem na hora. Sempre tem algo especial. O mais bacana é que esse ano a gente tocou bastante, então vamos chegar lá no Terra com o repertório muito elaborado. Vai ser legal.
Eduardo Ribeiro
Das últimas inovações surgidas na música brasileira, o nome de Curumin salta à frente como um dos mais bem resolvidos. Muita gente aparece com a missão de derrubar os rótulos com a mistureba, mas poucos conseguem compor com homogeneidade. Não é o caso de Curumin. Seu "samba mutante", que tem por base a música negra, é nada senão uma viagem pluralista e coesa. O multiinstrumentista, nascido Luciano Nakata Albuquerque, convida a um passeio virtuoso e fluente pela árvore genealógica do balanço tropical.
Depois de tocar no festival Planeta Terra, que acontece na Villa dos Galpões, em São Paulo, em 8 de outubro, o artista encerra um frutífero ano, que teve lançamento de seu notável segundo trabalho, Japan Pop Show. Clique aqui para ler a crítica do disco. Às vésperas da apresentação no Terra, ligamos para Curumin com intuito de falar de sua fase atual e saber o que mudou para ele desde Achados & Perdidos (2003). O resultado é uma entrevista um pouco extensa, mas não menos interessante. Acompanhem:
Vamos direto ao ponto. O que mudou na sua música desde Achados & Perdidos?Não só a minha música, mas desde aquele álbum, o mundo mudou muito. Música principalmente. Coisas que já tavam aí quando eu fiz o primeiro, internet, mp3, ainda não tinham entrado na vida de todo mundo. E de lá pra cá isso mudou muito, as pessoas andam com mp3, sei lá, com 5 mil, 10 mil músicas no bolso, sabe?! É muito diferente ouvir música agora, com tudo na mão assim. Eu fico ouvindo muita coisa diferente, o dia inteiro e o tempo inteiro, entendeu?
E esse caldeirão musical foi traduzido no Japan Pop...É, cara, e eu acho que essa fusão está acabando com os rótulos. Até porque hoje em dia os rótulos não conseguem ser mais explicativos, não simbolizam o som que está sendo feito. Mas mesmo assim, essa diversidade é importante, ela está presente em todos os sons. Quando a gente conseguir se desligar completamente das nomenclaturas, dos rótulos, isso tornará a experiência musical muito mais rica.
Você não acha que já está até se tornando clichê apresentar um som dizendo que tal artista faz uma mistura de ritmos? Porque, afinal, isso é o que virou a cultura...Eu não sou um purista, ou sei lá, um cara que nasceu no samba, ou que nasceu no funk, que é especialista disso, que só ouve aquilo... entendeu? Nasci em São Paulo, tive um milhão de referências já desde criança. Sempre fui muito bombardeado pela cultura pop do mundo. Coisa brasileira também. Então, na verdade, o som que eu faço não é uma mistura disso ou daquilo. É o que eu sou, o que ouvi, o que eu cresci ouvindo, o que eu gosto de ouvir. Não nasci numa família que só toca um tipo de som, não vim de tradição. Vim dessa coisa da diversidade, um monte de referências. O que eu to fazendo não é mistura, é o resultado das coisas com que tomei contato a minha vida inteira.
Você sempre ouviu de tudo?Eu tive um caminho bem maluco. Quando criança eu adorava Sidney Magal, Gretchen. Quando fiquei mais velho comecei a pirar em heavy metal, Iron Maiden, Black Sabbath, Led Zeppelin, me influenciei muito. Mais tarde, foi a vez de Stevie Wonder, a soul e o funk americano, música brasileira, a parada do samba e, depois, tudo que circunda a música negra brasileira.
À medida que tomava contato com algo novo, você queria logo mergulhar naquele som?Sempre. Sempre indo atrás, pesquisando, vendo outros discos do cara, coisas relacionadas...
Com que instrumento você se dá melhor?Bateria.
Desde moleque?Na verdade eu comecei tocando violão, né?! Quando era bem novo montei uma banda, daí eu ficava pirando na batera, ficava tocando. Acabei montando uma lá, com umas coisas que eu tinha em casa, uma batera meio caseira, até que assumi o instrumento.
O Japan Pop foi construído como?Ele foi acontecendo. Teve muito tempo entre um e outro, então tem as músicas mais antigas, as mais recentes. Eu fui amarrando o conceito conforme foi rolando, saca? Ter um conceito e fazer a coisa depois, essa idéia, pra mim, dificulta. Porque parece que fica tudo meio girando... Mas tudo se deu meio que naturalmente. O que mais funciona é deixar fluir, perceber como estão ficando as composições e tentar amarrar o conceito todo.
As definições só vêm depois do conjunto pronto...Ou durante... Nesse caso eu descobri no meio do processo.
Falando em conceito, o seu é o do samba mutante?É isso que a gente tava falando, dos rótulos. A minha referência é a música negra feita pelo mundo, desde o funk e o soul, passando pela salsa, o samba, o reggae, os outros ritmos de raiz e tudo mais. E eu sou brasileiro, faço música brasileira, e a música negra brasileira pra mim é o samba. A princípio existem várias vertentes que me influenciam, mas tudo se encontra no samba. Não falo de um samba de cuíca, tamborim, com aquela estrutura melódica e harmônica, é outra coisa. O samba começou de um jeito, tradicional, samba de roda, e foi mudando, cada galera foi misturando uma coisa ou outra, o ritmo foi caminhando... E eu estou dentro dessa linha, dessa evolução, entendeu?
É, o Jorge Ben quando despontou foi um grande passo já nessa mutação do samba...Sim, tinha lá o samba, veio o Jorge Ben e conhecemos uma espécie de samba-soul, samba-rock, daí veio outro cara e a gente tomou contato com o samba-reggae, e as coisas vão se juntando, chegou o hip-hop... A melhor explicação possível é mostrar o quanto pode ser amplo. Faço o samba de hoje em dia. Samba vem de mistura, a raiz do samba é a soma das raízes.
Tomando pelos shows que você fez lá fora, nos EUA, existe uma maior abertura pra música brasileira?A música brasileira sempre teve espaço lá, os grandes nomes. Mas isso fica fechado a um nicho, a um circulo privilegiado, mais intelectualizado. E eu acho também que eles são muito massacrados pela cultura pop deles, há muitos anos, e a cultura pop lá também está muito estagnada. É um povo que está nesse momento de se abrir um pouco mais. Precisando de um respiro, de coisas diferentes.
Algumas letras de Japan Pop têm um teor muito social. Você é um cara politizado?Eu não sou um cara muito militante, não. Eu gosto de acompanhar a política, mas não sou um cara expert, ou que conhece a fundo, ou que freqüenta esse tipo de ambiente, e nem ando com a galera que discute política. Mas isso é uma coisa que ficou pra ser falada nesses últimos anos de Brasil e de mundo. Foi um período que caiu muito forte. A democracia não chegou lá, não funcionou. O sistema todo pelo qual lutamos, pra eleger algumas pessoas, que seriam responsáveis... Isso também não rolou, só deu merda. Isso tudo ficou muito claro. Me deu uma vontade de falar sobre tudo isso. O cenário político, no geral, me deixa indignado. O cenário político virou um celebrity show, sabe? Você vê, a galera é muito vaidosa... Concorrendo... Numa briga que é muito mais pelo poder do que por alguma ideologia que valha. Alguma crença. Não tem aquele cara que se candidata porque acredita que vai fazer a diferença. É uma galera que vai lá porque gosta dos holofotes, da ciranda do poder. Isso é uma coisa que a gente está vendo agora, nas eleições atuais.
O que você está ouvindo na sua casa esta semana?Cara, não tem jeito, eu gosto muito dessa coisa da música negra mesmo, do balanço e tal. Esta semana tenho escutado muito Duke Ellington. Estou numas paradas de curtir muita coisa de orquestração, Charles Mingus. E tem também o Duprat, que eu tenho escutado bastante.
Você está tocando com o Arnaldo Antunes agora? É que ele está gravando um disco novo e eu gravei algumas faixas com ele.
Com quem mais você toca?Com o Guizado, Rômulo Fróes, Iara Rennó...
Vai preparar alguma coisa especial pro Planeta Terra?A gente sempre tenta fazer um show diferente do outro. Por mais que a apresentação tenha uma espinha dorsal ensaiada, a gente deixa muito espaço pra improvisação. Tem momentos em que tocamos uns temas que dão na cabeça, alguma música que vem na hora. Sempre tem algo especial. O mais bacana é que esse ano a gente tocou bastante, então vamos chegar lá no Terra com o repertório muito elaborado. Vai ser legal.
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